sexta-feira, 2 de julho de 2010

A COR

Descrevo aqui, de forma resumida, as principais características de um modelo pelo qual se pode inferir nas informações cromáticas aplicadas, a criação, o desenvolvimento e a reprodução dos sistemas simbólicos das cores por meio das relações entre as diversas camadas significantes sobrepostas e nem sempre visíveis no resultado final. Ou seja, a cor pode ser utilizada com parcimônia e nos espaços que lhe dêem significância e, efetivamente, natureza comunicativa.
A consciência de que a cor pode incorporar significados às informações que são coloridas aumentam a responsabilidade do jornalista ou do designer de notícia. Assim, este trabalho traz uma contribuição ao domínio necessário da cor-informação para aplicação na mídia, considerando as particularidades de cada veículo de comunicação (ou mídia) e as particularidades de ambientes culturais diversos. Trata-se de um modelo para a busca pela estrutura lógica de produção e análise de textos visuais, cromáticos, culturais. Descrevo aqui, de forma resumida, as principais características do modelo proposto, que poderá ser chamado de Modelo Ontogênico das Cores (M.O.C.) (figura 1), um modelo pelo qual se pode inferiro M.O.C. não deverá servir como um dicionário das cores, onde diretamente se revelaria a relação entre significantes e significados, mas sim uma estrutura de orientação para a compreensão e o uso da cor como informação. O modelo não almeja esgotar o repertório do universo das cores, e sim indicar comportamentos para o uso consciente ou para a análise objetiva dos textos de cor-informação. Esse é o primeiro princípio deste modelo.
O segundo princípio do M.O.C., e que também está vinculado à idéia de inesgotabilidade do repertório, estipula que ele será necessariamente dinâmico, visto que se comporá do inter-relacionamento de campos semânticos e sistemas simbólicos de textos culturais que, embora carreguem em sua expressão sua história particular ou a “memória dos estados precedentes” (Lotman, Uspenskii & Ivanov, 1981: 43), são dinâmicos em seu âmago, dada sua natureza cultural.
O terceiro princípio do M.O.C. diz respeito à sua falibilidade. Este modelo, parte da pesquisa As cores na mídia (Guimarães, 2002), assim como a apresentada em A cor como informação (Guimarães, 2001), tem a intenção de sustentar uma nova abordagem para o uso da cor em textos informativos. Porém, nem todo dado analisado – em nosso caso, textos da mídia – corresponderá ao previsto. Essa possibilidade de não-conformidade entre teoria e dado ocorrerá em algumas circunstâncias que é possível precisar:

a) Primeiramente, o próprio modelo tem a intenção de sistematizar e fundamentar um uso consciente da cor, tanto por quem produzirá quanto por quem receberá os textos em corinformação.
Logo, partimos do pressuposto de que nem todos utilizem a cor com a consciência desejada.

b) Em segundo lugar, nem todas as vezes que a cor aparece com predominância num texto visual – seja a predominância espacial, seja a predominância semântica ou a garantida pela atenção que concentra no padrão visual em que aparece – é utilizada como corinformação.
E nem sempre deve assim ser. Há textos visuais que, mesmo na mídia, têm outras intenções ou funções, como a estética, sinestésica, psicológica, etc., ou sofrem de outras motivações como limitações e imposições técnicas.

c) E, em terceiro lugar, um determinado texto visual, pode ter adotado, de forma equivocada, um sistema simbólico de cores. O uso da cor induzirá a análise ao erro. Ou seja, o M.O.C. tem a intenção de permitir a análise de textos visuais de mídia com recursos de cor, considerando-se a intenção declarada, a não-declarada, a camuflada, consciente ou inconsciente do produtor da informação, mas não tem a capacidade de ultrapassar o limite do erro (quando, por exemplo, problemas técnicos inverteram cores no processo de impressão), embora possa muitas vezes ajudar a detectá-lo, assim como não conseguirá encontrar significância onde houve uma aplicação aleatória ou com algumas motivações que não são do âmbito da intenção comunicacional.
Segunda etapa de descrição: os filtros
Há certamente um vínculo indelével entre mídia e realidade. De um lado, a mídia alimenta-se da realidade (dos fatos do mundo real) na qual se inscreve e pratica seu poder de transformação; por outro lado, a realidade não existe sem mediação, idéia defendida por Thomas Bauer (2000: 13):
A realidade social é uma construção tanto quanto a realidade midiática. A sociedade midiática não esta competindo com a realidade social, mas é um dos componentes para a construção da realidade, um elemento constitutivo da realidade tanto quanto outras redes. [...]
Para esclarecer melhor as coisas, nunca houve qualquer realidade fora da transmissão.
Cada realidade é (por exemplo, por meio da linguagem ou outro meio de comunicação) socialmente mediada e socialmente construída. Portanto, uma realidade construída pela mídia técnica não pode ser considerada como mais artificial do que qualquer outra forma de realidade.
Especificamente no jornalismo, independente de seu gênero em uso (informativo, interpretativo ou opinativo), são várias as formas e as possibilidades de operar a mediação realidade-representação. Em todas elas haverá, em diversos níveis, a participação de sistemas, códigos e conjuntos semânticos que, sobrepostos um aos outros e com maior ou menor participação, interferem diretamente na realidade midiática. A percepção e a captação de dados da realidade, selecionados, interpretados e traduzidos em outros códigos para o devido armazenamento e transmissão, acabam por justificar o termo “realidade reconstruída”, utilizado com freqüência para designar a natureza da realidade na mídia.
A relação de transferência objeto-representação, nos diversos elementos da comunicação, não se dá da mesma forma. Para Villafañe e Mínguez, cores, formas e texturas são os elementos primários mais simples de representação e de vinculação com a realidade:
A cor vermelha ou um poliedro não são elementos de articulação comparáveis ao fonema da língua ou a uma nota de uma escala musical. Enquanto estas são arbitrárias, aquelas existem na realidade mesma (uma determinada longitude de onda e uma determinada ordenação de planos e ângulos) e são os que asseguram essa mesma conexão com o real.
Entre este nível de abstração plástica e a mímesis mais absoluta não existe nenhuma diferença no essencial – a natureza icônica – mas apenas distintos graus quanto ao nível de realidade da imagem (Villafañe & Mínguez, 1996: 30-1).
As cores provocam as mesmas ações biofísicas de recepção que teriam no mundo natural. Ao passar por todo o processo de produção e de recepção de imagens, a cor pode incorporar valores, regras e códigos constituídos por sistemas ou por campos semânticos de origens diversas (religiosa, política, técnica, etc).
As cores provocam as mesmas ações biofísicas de recepção que teriam no mundo natural. Ao passar por todo o processo de produção e de recepção de imagens, a cor pode incorporar valores, regras e códigos constituídos por sistemas ou por campos semânticos de origens diversas (religiosa, política, técnica, etc). Como cada código, sistema ou campo interfere diretamente na maneira como a cor se manifesta (restringindo-a ou conformando-a), muitas vezes a vinculação original fica obscurecida.

Filtro opaco:
É a representação da estrutura composta por códigos e sistemas que adquiriram autonomia semântica ou pragmática, de forma a não deixar transparecer estruturas mais profundas. É o caso da cor-de-rosa que em muitos textos culturais representa o “mundo gay” na estrutura superficial.

Filtro transparente:
É a representação da estrutura composta por códigos e sistemas que reproduzem com fidelidade as estruturas mais profundas ou são análogas a elas e, portanto, deixam transparecer totalmente, ou quase totalmente, a origem da vinculação significantesignificado.
A fotografia publicada que não tenha passado por nenhum processo de alteração e que, assim, se baseia na maior fidelidade das cores em relação ao objeto fotografado é um exemplo de filtragem transparente.

Filtro translúcido:
É a representação da estrutura composta por códigos e sistemas que deixam transparecer as estruturas mais profundas (outros filtros e/ou o objeto da primeira realidade), porém, a sua atuação é associativa e, portanto, interfere diretamente sobre as informações que chegaram até ele. É com a participação desse tipo de filtro que uma informação assimila valores, crenças, discursos, etc. Um exemplo da atuação de um filtro translúcido é a interferência de uma codificação da paleta de cores adequada ao universo infantil (cores puras, saturadas e variadas) na reprodução de imagens e na construção da mensagem direcionada para esse público. O código mais bem assimilado pelas crianças (como um filtro translúcido) é aplicado sobre a mensagem, colorindo tanto os elementos figurativos, quanto os não-figurativos.

4) Filtro seletivo
É a representação da estrutura composta por códigos e sistemas que bloqueiam parte das estruturas mais profundas e deixam outra parte transparecer. Com isso, faz uma seleção do código utilizado até aquela filtragem e sobre ela acrescenta seu próprio sistema. De certa forma é uma soma do comportamento dos três filtros anteriormente descritos. O resultado do uso do filtro seletivo é uma adequação reduzida do sistema de códigos de todas as camadas anteriores para determinada finalidade, inclusive a reprodutibilidade. A televisão, por exemplo, irá selecionar somente as cores que são possíveis de serem legíveis (semanticamente), diante das variações dos parâmetros de cor (croma, luminosidade e saturação) que diferem de aparelho a aparelho e também conforme as preferências do telespectador, que detém o controle sobre os ajustes de imagem de seu televisor, como já tratado neste trabalho.

Terceira etapa de descrição: a organização dos campos semânticos em subsistemas:
Se alguém observar atentamente o Umwelt em que ele próprio está inserido e procurar distinguir os diversos usos das cores e os “saberes” que se ocupam dos dados necessário para a aplicação e para o conhecimento do universo cromático, se dará conta da grande dimensão formada pela rede de conexões entre os vários campos semânticos e os sistemas de representação, reprodução e transmissão de informações cromáticas.
O subsistema Mundo Natural é composto pelas imagens naturais. Não todas, mas aquelas que surgem a partir dos referentes naturais do mundo físico, ou dos referentes que foram produzidos pela ação humana, e que podem ser compreendidos como imagens de ambientação.
As cores que formarão os diversos campos semânticos desse subsistema têm origem no vínculo concreto com a realidade. São exemplos: cores dos elementos (fogo, ar, terra e água); cores de animais, vegetais e minerais; cores percebidas nas alterações de ambientes, como estações do ano, períodos do dia, variações climáticas, variações de temperatura, diferenças cromáticas de regiões (campo, cidade, litoral, etc.); cores vinculadas às manifestações binárias do mundo biofísico como luz-sombra, quente-frio, etc.

Resumidamente, o processo de investigação deve seguir o seguinte roteiro:
1) Identificar as características técnicas da mídia; avaliar quais recursos estavam disponíveis, quais foram utilizados e quais limitações técnicas restringiram a paleta de cores.
Deve-se considerar, por exemplo, o tempo disponível para a produção que é diferente em cada mídia, e a qualidade de reprodução de cores.
2) Pressupor a linha editorial da publicação a partir da avaliação de outras notícias publicadas; observar se o comportamento pressuposto é eventual ou se ocorre com freqüência; relacionar a programação visual aos outros códigos utilizados na publicação; verificar as ações positivas e ações negativas das cores.
3) Fazer o levantamento das cores utilizadas e das suas relações hierárquicas; deduzir o sistema simbólico de cores.
4) Identificar os campos semânticos utilizados em todas as camadas que participaram nos processos de filtragem e interferência; verificar os códigos que foram utilizados e analisar as funções que cada um teve na seleção de cores.
5) Reconstruir o trajeto das cores, desde a emissão do fato até a publicação da mensagem.

O roteiro para a construção de informações cromáticas segue a mesma ordem da emissão da informação:
1) Determinar quais cores estão associadas à natureza concreta do fato.
2) Determinar quais os filtros (e seus comportamentos) e os campos semânticos de cada camada que participará da construção da paleta de cor-informação.
3) Obter um sistema simbólico coerente, responsável e de alto valor informativo.
4) Delimitar o sistema simbólico às intenções da publicação, evitando as ações negativas relacionadas nesta pesquisa.
5) Adaptar o sistema simbólico aos recursos e às limitações do meio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Páginas